Av. Pedroso de Moraes, sem número e sem casa, esse era o endereço de Raimundo, personagem de uma história interessante, em que o "mendigo", que um dia foi vendedor de livros, vira escritor de rua. Foi nesse bairro nobre de São Paulo que Raimundo fez amizade com vizinhos que se aproximaram dele, curiosos com a figura de um homem barbudo e sempre com a caneta na mão.
De todas as pessoas que se impressionavam com o fato de uma pessoa em situação de rua estar sempre escrevendo, destaca-se Shalla Monteiro, que tinha um propósito bem definido: Tornar conhecida a obra do poeta que há mais de 30 anos não tinha um teto. Ela guarda em uma caixinha os poemas de Raimundo e demonstra ter uma enorme empolgação com um sujeito estranho que tinha mais a oferecer do que a pedir. Faltava sapato, faltava comida e sobrava poesia. "Depois da matéria de tudo que a natureza modela, restam as formas vazias.'' Ass: O Condicionado (pseudônimo que o poeta adquiriu para suas obras).
Quando Shalla, no último inverno, levou cobertores para Raimundo e perguntou se ele não sentia frio, ouviu a seguinte resposta"O frio e o calor são transitórios. O café esfria progressivamente, a gente não armazena nada". A cara dela ao ouvir isso esboçava a espantosa alegria de quem estava descobrindo a maior riqueza de uma pessoa, o seu talento.
E Raimundo continua surpreendendo Shalla, que até hoje é uma das suas maiores fãs. Os dois continuam se falando e mantendo contato por telefone. Sim, por telefone, porque hoje o ex-morador de rua vive com a família em Goiânia. Ele foi reencontrado graças a uma página da internet criada para divulgar as suas obras (Quem tiver interesse, clique aqui e curta a comunidade do facebook dedicada ao poeta).
Há nove meses longe das ruas, Raimundo está fisicamente diferente, sem barba, e mais saudável. Só não muda uma coisa: a caneta na mão. Ele passa a maior parte dos seus dias escrevendo poemas e sonhando em um dia publicar tudo aquilo que criou enquanto estava nas ruas. Ele disse em entrevistas que sua obra vale aquilo que o leitor tiver a oferecer. Ele vendia seus poemas, quando era "mendigo", tanto por 0,10 centavos, quanto por um prato de comida ou até 50 reais.
Sonho realizado, Raimundo e Shalla selecionam juntos as obras que farão parte do primeiro livro que ele vai publicar. Esse fato, com ares de ficção, é o capítulo mais interessante da vida real e que parece encaminhar para um final feliz a história do morador de rua com alma de poeta...
"O que ele cria
às vezes pode ficar
Eternamente
desconhecido do público
Porque ele não
encontra um leitor
À altura de compreendê-lo."
Ass: O Condicionado
Siga no Twitter: @FelipeTavares
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