domingo, 25 de outubro de 2015

O conformismo e conflito de classes retratados no premiado "Que Horas Ela Volta? (The Second Mother)"

"Ninguém precisa explicar, a pessoa já nasce sabendo o que pode e o que não pode".  


Essa é a resposta que a doméstica Val, interpretada por Regina Casé, no filme "Que Horas Ela Volta?", dá para sua filha Jéssica (Camila Márdila) quando a mesma lhe questiona sobre a passividade com que lida e aceita o tratamento de segunda classe que recebe dos seus patrões. Trata-se de uma teoria elitista perversa, inocentemente reproduzida pelas classes mais baixas, de que nada deve ser renovado, transformado, evoluído ou desejado. É assim, e pronto. O lugar da empregada e do patrão são pré-estabelecidos por uma linha divisória e ninguém ultrapassa ela. Ninguém se mistura.





Cada frase dita pela doméstica Val no longa-metragem é um soco no estômago, é de fazer a gente sair da sala do cinema morrendo de vergonha pela naturalização do conformismo no discurso dos trabalhadores brasileiros, um discurso que as classes mais altas impõe às mais baixas. E isso é histórico. O conflito de classes, o conformismo daqueles que vestem, sem reclamar ou questionar, a carapuça da inferioridade, acreditando que a mobilidade social não passa de um sonho impossível. Isso me envergonhou não só no cinema, mas também em casa, nas ruas, e nos corredores de uma USP elitista, movida a indignação seletiva e discursos meritocráticos. Que bom que o mundo viu e aplaudiu esse filme, que bom que a excelente diretora e roteirista Anna Muylaert escancarou para quem quisesse ver, como a sociedade brasileira é arcaica, feudal e hipócrita. Na Europa, aplaudiram o roteiro do filme, acharam tão inusitada e surreal essa relação perversa entre doméstica x família de classe média alta, que isso só poderia ter sido fruto de uma mente genial, de um roteirista criativo, inovador e surrealista. Mas não. Essa é a triste realidade do Brasil. Vai ter filha de empregada nadando em piscina de patrão sim, vai ter filha de empregada estudando nas melhores faculdades públicas do país sim, e se reclamar, vai ter mais!



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