sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Como o cinema ameniza temas polêmicos através do olhar infantil



O filme, "O Labirinto do Fauno", do mexicano Guillermo Del Toro, narra a história da garota Ofélia, que vivia sob os cuidados da mãe doente e do padastro carrasco, um militar que vivia para caçar rebeldes após o fim da terrível Guerra Civil Espanhola. Diante de tanta opressão e assassinato, a pequena Ofélia cria um mundo paralelo de imaginação e fantasia, sendo essa a única forma de fugir da realidade de uma criança maltratada pelo padrasto autoritário, com uma mãe doente e submissa e com os rastros de sangue, causados pela guerra na Espanha, ainda frescos bem ao lado da janela do seu quarto.

No italiano e vencedor do Oscar, "A Vida é Bela", de Roberto Benigni, o judeu Guido é mandado para um campo de concentração nazista ao lado do seu filho, o pequeno Josué. Certo de que ambiente que haviam sido levados a força escondia detalhes da tenebrosidade que foi o holocausto, Guido passa a criar um mundo imaginário para poupar seu filho do horror daquele campo. A forma com que o personagem de Roberto Benigni transformou um espaço de morte e repressão em um local que ofereceria um excitante jogo entre pais e filhos, cujo prêmio final seria um tanque de guerra, foi lirismo puro, sendo "A Vida é Bela" uma das maiores fábulas do cinema italiano.

Em "O Menino do Pijama Listrado", de Mark Herman, o menino Bruno, que tem como pai um oficial nazista, acaba conhecendo no campo de extermínio ao lado de sua casa, uma criança fadada a morte: o judeu Shmuel. Para Bruno, o horror da segunda guerra e a rivalidade entre alemães e judeus não existia, seu olhar puro e inocente desconhecia toda essa crueldade. Para ele Shmuel vivia nesse campo, como qualquer outra criança poderia viver em um vilarejo, só que eles vestiam pijamas o tempo todo. E para Bruno, isso era no mínimo curioso.

Por fim, no longa-metragem nacional, do diretor Cao Hamburguer, "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" conhecemos a história de Mauro, um garoto de 12 anos, filho de pais comunistas, em pleno ano de 1970, época em que a ditadura militar prezava pela tortura daqueles que se voltavam contra o sistema ditatorial. Para não serem mortos, os pais de Mauro acabam levando o filho para viver com o avó enquanto se escondiam dos militares. Para justificar a fuga, os pais do menino disseram a ele que iriam tirar um ano de férias. Em meio a muros pichados, como forma de protesto, e ações policiais violentas contra os chamados "subversivos", vemos uma criança que sonha em ser goleiro, em ver o Brasil ganhar a copa de 70 e em reencontrar os pais, que tiravam ''férias'' pra fugir dos horrores que os porões da ditadura lhes reservava.

O que esses quatro filmes tem em comum? Todos eles retratam, sob o olhar inocente de uma criança, acontecimentos de horror que assombraram a humanidade em épocas distintas como a Guerra Civil na Espanha, o Holocausto, a Segunda Guerra Mundial e a Ditadura Militar no Brasil. Todos esses filmes usam do lirismo e da fantasia para amenizar e tornar mais sutil o tratamento de temas polêmicos. Para Ofélia, em "O Labirinto do Fauno" a existência de um labirinto repleto de seres estranhos e fantasiosos, a tirava não só do horror que toda a Espanha havia presenciado durante a guerra, mas também do horror que era viver com um padrasto machista e autoritário. O mesmo aconteceu com Josué, Bruno e Mauro em seus respectivos filmes, eles tiveram uma visão mais otimista e poética de situações que aterrorizavam os adultos. Todos os diretores dos quatro filmes citados reproduziram, da forma mais sutil possível, o impacto que esses acontecimentos terríveis tiverem no universo infantil. E da-lhe sensibilidade, da-lhe puerilidade.

Por: @FelipeTavares

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A "apropriação ecológica" pelo setor empresarial e suas contradições


Com os avanços da industrialização, da urbanização e com consumismo cada vez mais exagerado, os problemas ambientais começaram a se agravar e isso tudo acabou gerando, mais fortemente na década de 50, uma grande pressão da sociedade preocupada com a preservação do meio ambiente e com a qualidade de vida dos povos. É a partir daí que surge aquilo que Fátima Portilho* chamou de "ambientalização da sociedade".

Essa dinâmica de ''ambientalização da sociedade'', após pressões sociais, acabou se tornando um assunto de grande interesse das empresas, pois com isso elas deixariam de lado aquele esteriótipo de vilã que destrói a natureza e passariam a adotar a imagem de "amiga do verde". Mas será que essa imagem de organização sustentável e ambientalmente preocupada é verdadeira. Ou não passa de fachada? É a partir desse questionamento que Fátima Portilho propõe ao campo da sociologia e da administração estudos que se referem à  "apropriação ecológica", que é quando o setor empresarial se apropria de todo ideário ecológico, se colocando como o único segmento da sociedade capaz de promover o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental.

Com isso, as empresas passam a apostar na junção da gestão ambiental com as questões gerenciais e econômicas. A principio, é uma atitude louvável, mas ainda há contradição e "malícia empresarial" pro trás de todo esse investimento sustentável a favor do consumo verde. Afinal, porque o setor empresarial concentra quase todas as suas preocupações ambientais na escassez de recursos naturais e não nas espécies selvagens ameaçadas de extinção no planeta? A resposta é simples e pode ser baseada em argumentos levantados pelo geógrafo inglês David Harvey** em seu livro "O Enigma do Capital" quando ele diz que a escassez dos recursos naturais é justamente um dos obstáculos ao acumulo de capital. Em resumo, os empresários e acionistas estão mais preocupados com a futura falta de matéria-prima que seria transformada em produto e posteriormente em lucro do que com a natureza propriamente dita. Esse discurso verde, acaba, por fim tendo uma conotação econômica e não ambiental, e já era de se esperar esse tipo de comportamento do mercado, não? O lucro é "tudo".

* FÁTIMA PORTILHO:  Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP (2003), com  Doutorado Sandwich na Oxford University (2002), foi sócio-fundadora  da "Associação Nacional de Estudos do Consumo" e escreveu o livro "Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania" (Cortez, 2010 - 2a Edição).

** DAVID HARVEY:É um escritor e professor de Antropologia e Geografia na City University of New York (CUNY) nascido na cidade de Gillingham, Inglaterra. Autor do livro "O Enigma do Capital e as crises do capitalismo"  

domingo, 9 de dezembro de 2012

Por que o acesso às artes e à cultura é um privilégio para poucos no Brasil?



O quadro de desigualdade social no Brasil é tão grande que isso não só reflete na precariedade da saúde e da educação, mas também na falta de acesso da população pobre em eventos culturais e artísticos. Espetáculos de dança, de ópera, cinema, shows de MPB, entre outros, são alguns dos privilégios que só a classe média alta tem acesso, mas será que isso acontece porque apenas pessoas ricas tem bom gosto  e interesse em consumir bens culturais e artísticos ou será porque os altos preços dos ingressos impedem que as classes D e E frequentem esse tipo de evento?

Pessoalmente, eu acredito que se a cultura estivesse ao alcance de todos, muita gente iria se interessar em ter acesso a ela, o grande problema é que há uma exclusão proposital a partir dos altos preços cobrados nos ingressos que divide o público que pode e o que não pode estar em eventos artísticos. Ter acesso a cultura no Brasil é caro, ver artistas como Djavan, Gilberto Gil, Chico Buarque, Maria Bethânia exige do público um investimento de no mínimo R$100. Os próprios livros são vendidos a preços absurdos e isso é algo totalmente ilógico num país cujo salário mínimo gira em torno dos R$ 600.

Estive numa palestra com a atriz Lucélia Santos no Cine Cauim em Ribeirão Preto, ela criticou o brasileiro, disse que eles preferem ficar em casa vendo novela e futebol ao invés de assistir peças teatrais, agora eu me pergunto: "Será que esse mesmo brasileiro, que ela critica, assiste TV porque ele realmente só se interessa por novela e futebol ou porque ele não tem condições de bancar a entrada em uma peça de teatro cuja as entradas tem valores que giram em torno dos 80 reais"? Eu tenho certeza que se a peça fosse de graça, muita gente deixaria a TV de lado e compareceria no espetáculo teatral.

É muito fácil criticar o Brasil, tachar o brasileiro de ignorante que só consome cultura inútil. Agora, difícil, é fazer uma analise sociológica e econômica da nossa sociedade, entender que diferentemente do estilo de vida privilegiado que alguns privilegiados levam, há também uma parcela significativa de famílias vivendo em situação de extrema miséria. É pensando nisso que nós devemos lutar por políticas que incentivem o oferecimento de cultura grátis ou no mínimo barata ao cidadão, para que a arte seja um instrumento de democratização e que esteja ao alcance de todos. O acesso a cultura, talvez não seja mais importante que a educação e a saúde pública, mas é tão necessária quanto, é um direito do povo e devemos lutar para que ela seja acessível a todos.

Por: @FelipeTavares


sábado, 8 de dezembro de 2012

O culto às vitrines do shopping center





Atualmente, quando queremos buscar um lugar para descansar, logo pensamos em dar uma passada no shopping center, o templo do consumismo. Esse espaço, nomeado como “cidade artificial” pela socióloga da USP, Valquíria Padilha*, representa para o consumidor um mundo onde tudo é perfeito, o verdadeiro Universo Onírico, um lugar dos sonhos, o verdadeiro paraíso do ser humano. Paraíso esse que nos coloca cada vez mais como pessoas individualistas, que vai ao shopping apenas para saciar desejos pessoais e nunca o desejo coletivo. Além disso, essa cidade artificial acaba sendo uma  ilha inserida na cidade real e é tida como o refúgio da classe média, lá eles encontrarão o prazer do consumo e a segurança que não teriam comprando nas ruas. Esse espaço praticamente mascara as mazelas do mundo real e fortalece a sociedade individualista e narcisista, afastando as pessoas das questões sociais e da vida pública.

Hoje se fala em construção de shopping centers mais populares, voltados para as classes mais baixas, indicando uma lamentável segregação do espaço urbano. Isso ocorre em função do medo de misturarem ricos e pobres dentro de um mesmo espaço, porque quando o shopping fica democrático demais, como aconteceu no Ribeirão Shopping, seus donos se desesperam e criam medidas elitistas para reverter a situação, como cobrar pelo estacionamento e trazer lojas de luxo para a cidade artificial, resgatando, assim, o público de alto poder aquisitivo que tanto querem e desejam satisfazer.


*Valquíria Padilha, professora no Departamento de Administração da FEA-RP/USP,
  é especialista em estudos do lazer, doutora em ciências sociais pela Unicamp 
 e autora do livro "Shopping Center, a catedral das mercadorias".



Os Abusos da Publicidade Infantil



Atualmente um dos principais focos das propagandas é o público infantil. Inocentes e vulneráveis, eles acabam sendo uma presa fácil para satisfazer um sistema que tenta lucrar até sobre aqueles que são vistos como indefesos. Indefesos sim, mas com um imenso poder de decidir o que seus pais devem ou não devem comprar. E não nos resta dúvida de que a publicidade infantil é também uma arma capaz de manipular, inconscientemente, a mente humana a fim de acumular consumidores sempre dispostos a comprar. Segundo Benjamin Barber*, essa manipulação ocorre quando a sociedade de consumo estimula a  infantilização da mente do homem, resultando em uma patologia do capitalismo consumista em que os adultos são propositalmente infantilizados e crianças são tratadas como consumidoras adultas, ou seja, temos aí dois casos de compradores ideais, aqueles que batem o pé, dizem “Eu quero comprar, pronto e acabou” e fazem girar a irracional lógica do capital.

A publicidade infantil chega a ser covarde, pois ela gera, por meio de imagens bonitas e coloridas nas propagandas da TV, uma necessidade nas crianças, e esse público ainda não possui juízo de valor e dificilmente enxergará como tudo isso é abusivo. Essa situação coloca nossos pequenos diante de uma encruzilhada, porque se eles não viram a propaganda de um produto que promete mudar suas vidas na TV, eles terão acesso a esse produto na escola, por meio dos amiguinhos e vão querer ganhar um produto exatamente igual.  

Nesse caso, só resta aos pais conversar com seus filhos, mostrar a eles aquilo que realmente deve ser valorizado e fazê-los desapegar o máximo possível do bem material ou daquilo que é inútil. Trata-se de uma negociação diária, contínua e esclarecedora com as crianças. Essa é a única forma de livrá-los do consumismo gerado pela publicidade infantil, já que não há nenhum outro órgão oficial que controle esse abuso. É preciso usar do dialogo e torcer para que a propaganda não coloque pais contra filhos, pois ao que tudo indica, estamos quase chegando a esse ponto. 


    *Benjamin R. Barber, nascido em 02 de agosto de 1939, é um escritor  
e teórico político americano. Seu trabalho mais conhecido é o artigo
 ''Jihad vs. McWorld'', além de ter escrito o livro ''Consumo: Como o 
merdado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos''.


domingo, 2 de dezembro de 2012

Socialismo, Quino, Marx e o homem

Em 1999, o pensador, historiador gráfico e cartunista argentino Quino deu uma entrevista exclusiva para a Folha de São Paulo. Ele é famoso em todo o mundo por ter sido o criador da Mafalda, uma das personagens mais emblemáticas dos quadrinhos sul-americanos. A conversa com a jornalista Cynara Menezes foi repleta de bons momentos, mas vou destacar aquele trecho que mais me chamou a atenção, quando ele fala sobre o socialismo e sua teoria para que essa ideia tenha declinado em todos os países que tentaram implantá-la.  




Folha - O paraíso é Cuba?
Quino - Não, não diria, porque qualquer país que tem em cima 30 anos de bloqueio -imagine o Japão bloqueado-, o que faz? Não dura nem dez anos. Mas eu gosto muito de Cuba. E o socialismo me atrai como sistema político.
Que tenha fracassado depois de 70 anos, isso não é nada na história da humanidade. Imagine quanta gente se matou tentando voar. Se Leonardo da Vinci tivesse os tecidos, os materiais que existem hoje, o parapente, a asa-delta e tudo isso já existiriam desde 1400 e tanto. Ou seja, por haver matado gente durante três séculos não significa que a aeronáutica seja uma porcaria.


Folha - O que aconteceu com o socialismo, em sua opinião?
Quino - Como sempre, onde o homem mete a mãozinha estraga. A ideia era genial. Se fosse administrada por outra coisa que não seres humanos...

[Clique aqui para ler a entrevista completa.]




Por:@FelipeTavares